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'O FUNDO DO POÇO JÁ FICOU PARA TRÁS', DIZ ESPECIALISTA SOBRE A ECONOMIA NA REGIÃO DE PIRACICABA

Para Haroldo Torres, a baixa da inflação e taxas de juros influenciarão retomada de investimentos. Ele vê serviços por apps como transitórios e indica busca por qualificação.



Aumento da quantidade de microempreendedores e trabalhadores de serviço de aplicativo em meio ao alto nível de desemprego, mecanização impactando na agricultura, recuperação de grandes empresas e alta no preço da carne são alguns dos destaques da economia na região em 2019.


Reforma da previdência, GIG economy e peste suína foram algumas das palavras-chaves para se analisar alguns destes cenários.


Ao G1, o economista Haroldo Torres, gestor de projetos do Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas (Pecege), traçou um panorama do aglomerado de Piracicaba e, entre suas orientações, está a de que os trabalhadores de aplicativos se planejem para uma recolocação no mercado, pois aponta que seus empregos são transitórios.


Haroldo Torres: Em relação às MEIs, acho que antes de falar da reforma, é importante dizer que o crescimento dos MEIs está de fato ligado ao processo de desemprego da economia como um todo. Toda vez que você tem um desemprego em alta o número de MEIs cresce. Isso reflete, de certa forma, um avanço na formalização, que por um lado é bom, mas mostra que a população está buscando novas fontes de renda em meio a essa desocupação recorde.


A gente viu esse número aumentar em 2019, mas ao longo de 2019 a taxa de desemprego tem recuado ligeiramente. Mas é importante dizer que estamos com uma taxa de desemprego muito alto. Portanto, o aumento do desemprego é que está empurrando as pessoas para o empreendedorismo. O avanço da formalização reflete a necessidade do brasileiro em buscar novas fontes de renda.


Aqui tem aquela visão do empreendedorismo por necessidade. Ele tem ganhado cada vez mais relevância. O número que você trouxe é de Piracicaba. Eu não olhei o número nacional, mas faria esse mesmo prognóstico como uma tendência nacional. Não é algo isolado de Piracicaba. Provavelmente a gente vai ter essa tendência de crescimento das MEIs no Brasil como um todo.


"Mais do que ligado à reforma trabalhista eu acabo atribuindo o aumento das MEIs ao aumento do desemprego. Vejo muito mais como uma forma das pessoas crescerem profissionalmente, saírem da informalidade e vencerem a situação de desemprego".



G1: Neste contexto, como dá para avaliar o mercado dos serviços por aplicativo? A tendência é de que absorvam ainda mais mão de obra aqui na região?


Haroldo Torres: Acho que não só o trabalho por aplicativo, mas como MEI de forma geral, reflete a mesma tendência. A única questão é que mesmo no trabalho por aplicativo como no trabalho por MEI isso começa a exigir mais nível de responsabilidade sobre suas finanças. Isso significativa que ele [trabalhador] vai sentir diretamente a demanda do mercado.


Quando ele está empregado com carteira assinada, independente do fluxo de vendas da sua empresa, ele tem garantido o salário dele. Quando ele passa a ser MEI ou agente vinculado a aplicativo, que às vezes a gente chama de GIG economy, é importante que ele tenha uma visão mais profissional das suas finanças, porque num momento de oscilação ele precisa ter uma reserva.


Vou pensar num caso extremo aqui. Quando eu olho para o caso da Uber: hoje estamos vendo esse crescimento muito forte, mas se pensar a médio e longo prazo e se viabilizar os carros autônomos, essas pessoas não teriam mais essas oportunidades de trabalho. O que mostra é que essas atividades são transitórias. Elas não são permanentes.


"E, nesse cenário, quando eu falo que a pessoa precisa ter mais responsabilidade sobre suas finanças, ela também precisa aproveitar esse momento para se qualificar, olhando novas profissões e novas áreas para se recolocar no mercado de trabalho".


Não olho esses trabalhos como modelo de negócio de renda permanente. É importante que sejam modelos transitórios, onde a pessoa faça de fato uma renda daquilo e tenha uma responsabilidade com seu orçamento, mas que procure ao mesmo tempo se qualificar, dado que ele inclusive tem uma gestão melhor do seu tempo e autonomia para manusear seu tempo nesse tipo de atividade.




G1: Em relação a emprego, em outubro, a região de Piracicaba teve um saldo negativo de 542 vagas, segundo o Caged. Entre as cidades que tiveram os piores resultados, a maioria dos cortes ocorreu na agricultura. Como você avalia esse desempenho e o impacto no setor da agricultura?


Haroldo Torres: Se a gente olhar de setembro para outubro, a taxa de desemprego no Brasil como um todo caiu. Ela saiu de 11,8% e foi para 11,6%. Queda marginal, mas caiu.


Quando a gente olha para a agricultura, especificamente na região de Piracicaba, é importante perceber que temos uma característica, talvez, sui generis: é uma região predominantemente movida pelo setor sucroenergético. E quando a gente olha para outubro e novembro, coincidem com o fim de safra da cana-de-açúcar. E muitas pessoas empregadas na agricultura e especialmente na área de cana-de-açúcar acabam tendo contratos de safristas para trabalhar durante o período de safra.

E o que estamos vendo agora é fruto de dois processos: o primeiro é o início do período de entressafra, que coincide com o desligamento de algumas atividades, principalmente os safristas, e temos um segundo efeito na agricultura, que não é só de Piracicaba, mas nacional, que é o efeito da mecanização. Cada vez mais as atividades estão passando por um processo de mecanização. A própria cana-de-açúcar saiu de uma colheita manual para uma colheita 100% mecanizada.


"Não vejo como ponto negativo. Se a gente olhar para o saldo do PIB [Produto Interno Bruto] no ano para a agricultura brasileira é ela que, inclusive, tem sido uma grande alavanca do crescimento do PIB neste ano. Mas, apesar desse cenário, a região sofre com algumas características pontuais ligada ao setor e, especificamente, ligada ao setor sucroenergético".


G1: Em Piracicaba, temos empresas de grande porte que mobilizam grande mão de obra e a economia local, como Hyundai, Case, Caterpillar e Raízen. A Hyundai anunciou férias coletivas recentemente e a Case também. Como você analisa o ano destas empresas e seus setores?


Haroldo Torres: Quando a gente olha para a Caterpillar, que está olhando para uma indústria de construção civil, para investimento de base, ela é de um setor que está ligado diretamente ao desempenho da economia brasileira. Então, à medida que vemos uma recuperação da economia brasileira, você tem de fato uma recuperação muito forte das empresas da região.


A Hyundai, no setor automobilístico, também sentiu uma recuperação das vendas nos últimos anos. Para as empresas da região, a mensagem que fica é: o fundo do poço já ficou para trás. Já tivemos uma forte recessão econômica em 2015 e 2016 e estamos tendo uma lenta redução da economia.


Se for fazer um prognóstico para 2020, provavelmente o que a gente tem é um cenário melhor do que em 2019. E 2019 já foi melhor dentro de algumas circunstâncias. Temos um governo novo, está engrenando, mas a reforma da Previdência foi aprovada. À parte disso, falo que 2019 já foi um ano positivo, mas em 2020 tudo indica um crescimento de quase 2,5% do PIB, enquanto neste ano vamos crescer próximo de 1%.

Quando a gente olha para a reforma, a reforma não reduziu o desemprego justamente porque o empresário não via expectativa de crescimento da economia brasileira e por isso não avançou no processo de contratação.


"O nível de emprego depende primeiro da expectativa dos empresários em obter lucro com a produção. Quando a gente olha para a reforma trabalhista, novas regras por si só vão facilitar a contratação quando a classe empresarial estiver mais segura sobre o futuro dos seus negócios".


Quando a gente olha para 2020, a gente já tem um cenário melhor domesticamente, isso faz com que a gente tenha uma recuperação do emprego e consequentemente da economia como um todo. Acho que esse é o balanço. Se a gente for falar de uma forma geral, qual é o cenário mais interessante hoje, diferente dos últimos três ou quatro anos?


Hoje a gente tem uma taxa de juros baixa, definida pelo Copom em 4,5%, mesmo com o episódio pontual da carne estamos com uma inflação baixa, considerando nossos níveis históricos e liberação do FGTS. São estímulos dentro da economia para uma recuperação. Então, provavelmente, o que a gente vai ver com esse níveis de juros é uma retomada do investimento. E essa retomada vai levar junto uma recuperação da economia.


Então, essa é a ideia por trás de todo esse processo. Hyundai, Case, Caterpillar, eu diria que já passaram pela fase pior. Em 2019 já foi um ano positivo e minha visão é que 2020 vai ser um ano muito melhor. Talvez o maior beneficiário é o próprio comércio, que já tem dado sinais de recuperação, até por esse fatores que comentei: baixa inflação, liberação de FGTS e soma-se ao empresário baixas taxas de juros que vão dar estímulo para que ele volte a investir na sua atividade.



G1: Em relação aos preços, o aumento em destaque é o da carne, que na cesta básica de Piracicaba aumentou 11% em novembro, segundo a Esalq. Como você avalia esse aumento? Vai persistir?


Haroldo Torres: Em relação à carne bovina, o que estamos vendo hoje é um reflexo do que está acontecendo com a economia chinesa, que é uma grande demandante de proteína animal. E o que ela teve foi um episódio de ter de abater uma quantidade enorme de suínos em função da peste africana. Ou seja, a China aumentou não só sua demanda por carne bovina, mas por carne suína e por aves.


E o que a gente tem é um descompasso: aumento de demanda com início de entressafra no Brasil e soma-se aumento de demanda no Brasil no período, pela liberação da parcela 13º e porque a recuperação da economia tem levado a um fôlego a mais. A gente tem uma pressão de demanda, ao mesmo tempo em que tem uma redução de oferta. Isso foi um push muito forte para o preço da carne.


Gosto de dizer que foi um movimento com dois efeitos: o primeiro é para tirar a carne dos patamares que a gente conhecia. Provavelmente, a gente vai ter patamares e preços de níveis de carnes para 2020 num patamar maior do que a gente observou ao longo da série histórica dos últimos anos, mas a níveis menores que a gente observou recentemente.


"Eu diria que o prognóstico é: não vamos ter preços tão altos em 2020 como recentemente, mas nem tão baixos quanto os que tivemos ao longo dos últimos cinco anos."


Tem uma mensagem positiva e negativa. Positiva principalmente para os produtores rurais, pecuaristas e frigoríficos, e negativa para o consumidor que vai ter, neste momento, de conviver com preços relativamente maiores de todas as proteínas.


<Matéria por Rodrigo Pereira, G1 Piracicaba e Região>


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